Operação Carne Fraca e o novo cenário para pequenos produtores

O associativismo da lei de micro e pequenas empresas como instrumento para enfrentar os novos desafios no setor agropecuário
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Bruno Fonseca Marcondes

Head da área de estruturação de negócios

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Na esteira dos esforços pela redução da corrupção em órgãos estatais, uma nova operação dominou o cenário brasileiro no mês de março: a Operação Carne Fraca. Em resumo, a Polícia Federal investigava os procedimentos, supostamente, obscuros adotados para a liberação comercial de determinados lotes de produtos de origem animal, especialmente em estabelecimentos comerciais fiscalizados pelo Ministério da Agricultura, com Selo de Inspeção Federal (SIF).

O assunto já foi muito debatido e especulado, e fato é que, independentemente do desfecho do caso, a publicidade a ele atribuído já foi suficiente para desencadear significantes efeitos econômicos. O mais evidente e significativo foi a imposição de embargos à importação da carne brasileira por alguns países, tais como a China e a Coreia do Sul. A União Europeia também sinalizou a intensificação na fiscalização e o eventual levantamento de barreiras à entrada da carne brasileira nos mercados europeus.

Seria possível pensar que tais efeitos pudessem não ser tão gravosos, uma vez que o Brasil possui um robusto mercado interno, responsável pelo consumo de cerca de 80% (oitenta por cento) de toda a carne brasileira. Por mais paradoxal que possa parecer, é esta força do mercado interno que pode prejudicar os pequenos produtores. Uma breve análise dos aspectos econômicos do produto em questão clareia a afirmação ora lançada.

Os alimentos de uma forma geral são bens de subsistência e de consumo imediato (em termos de taxonomia). Isto tem uma implicação prática muito simples, qualquer postergação no consumo não é compensada no futuro. Em outras palavras, quando um alimento é retirado de uma refeição, não se pode esperar que na próxima refeição o indivíduo dobre a sua respectiva porção. Aproximando-se do embargo das importações de carne brasileira, todo o período em que as restrições se mantiverem será perdido em termos de consumo. Se, por exemplo, o Brasil deixar de exportar 100.000 (cem mil) toneladas de carne durante um mês, no mês seguinte não serão exportadas 200.000 (duzentas mil) toneladas de carne em compensação, pois a demanda não absorverá este excesso, tendo em vista que o consumo do período embargado é irrecuperável.

Especula-se que os grandes frigoríficos, especialmente aqueles mais afetados pelas restrições internacionais, estão criando largos estoques durante este período e, se os embargos não forem levantados em breve, todo o produto acumulado será despejado no mercado nacional. Retomando o ponto anterior, a robusteza do consumo interno em um cenário de maior oferta de produtos naturalmente irá derrubar os preços da carne nos mercados por meio do atingimento do novo ponto de equilíbrio frente à demanda interna atualmente existente, prejudicando principalmente os pequenos produtores, que não terão competitividade para disputar com os grandes exportadores frustrados.

Uma saída para estes pequenos produtores é a associação temporária para a comercialização conjunta de seus produtos na busca pela obtenção de ganhos de escala e diversificação dos produtos oferecidos, utilizando-se da figura da Sociedade de Propósito Específico (SPE), prevista no Art. 56 da Lei Complementar nº 123 de 2006 (Lei das micro e pequenas empresas). Do aspecto societário, a SPE é uma entidade autônoma que pode se revestir na forma de Sociedade Limitada ou Sociedade Anônima, entretanto no caso da SPE prevista na LC nº 123/06 apenas é admitida a constituição de uma Sociedade Limitada (Art. 56 §2º VII).

A diferença da SPE prevista na Lei das Microempresas para os demais tipos societários reside principalmente na restrição do seu objeto social. Em termos puristas é preciso assegurar que a descrição das atividades desempenhadas pela SPE seja alçada ao nível de especialização, indicando expressamente o objetivo da associação de microempresas. Não se admite, portanto, a descrição generalista da atividade econômica. Ainda mais, o aspecto temporal é fundamental para a caracterização da SPE, na medida em que a perenidade e a perpetuação da associação entre os sócios não é um pressuposto da SPE como nas demais sociedades empresárias. Ao contrário, havendo o esgotamento do objeto social, a SPE encaminha-se diretamente à dissolução.

São listados em Lei outros requisitos, tais como a adesão de todos os sócios ao Simples Nacional (Art. 56 §1º), a apuração de Cofins e PIS/Pasep de modo não cumulativo (Art. 56 §2º, V), a proibição da participação das empresas sócias da SPE em outras SPEs (Art. 56. §4º). A vantagem reside justamente na manutenção de todos os demais benefícios garantidos em Lei para as ME e EPPs dentro da nova entidade (SPE) que buscará atingir ganhos de escala.

Dentro do novo cenário econômico que se desenha para o setor, a possibilidade de junção de forças para a comercialização da produção prevista no Estatuto da ME e da EPP (que se configura como uma exceção à vedação de participação societária por empresas optantes pelo Simples) pode ser uma saída para que os pequenos produtores tenham capacidade econômica de fazer frente ao novo desafio concorrencial que será imposto pelos grandes players no mercado interno de carne.

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