O regime de recuperação judicial e extrajudicial e o instituto de relicitação

Considerando um cenário de crise econômico-financeira da Concessionária, haveria conflito entre um pedido de relicitação e um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial?
Erica

Érica Santos Requi

Advogada egressa

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No último dia 05 de junho, foi convertida em lei a Medida Provisória n.º 752/2016, que estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário.

De forma bastante simples, pode-se dizer que é procedimento cuja finalidade é a extinção amigável do contrato de parceria e a instauração de uma nova licitação para a celebração de um novo ajuste, com novas condições contratuais, com um novo contratado, para a continuidade do mesmo empreendimento.

O objetivo da relicitação é assegurar a continuidade da prestação dos serviços, em casos nos quais as disposições contratuais não estão sendo atendidas ou em que os contratados demonstrem incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente.

O instituto surge, assim, como alternativa ao processo de caducidade, de forma a evitar que eventual dificuldade de cumprimento dos termos inicialmente pactuados não determine a paralisação dos serviços desses setores específicos, que foram objeto de concessão para a iniciativa privada – em sua maioria – antes do agravamento da crise econômica brasileira.

Ao que se observa, um dos aspectos que autoriza a formação de acordo para relicitação é exatamente a situação de dificuldade financeira da Concessionária. Justamente por isso, é conveniente avaliar se, considerando um cenário de crise econômico-financeira da Concessionária, haveria conflito entre um pedido de relicitação e um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

A respeito desse tema, a Lei n.º 13.448/2017 disciplina que não se aplicam ao contrato de parceria especificamente qualificado para fins de relicitação, até sua conclusão, os regimes de recuperação judicial e extrajudicial previstos na Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, exceto na hipótese prevista no § 1º do art. 20.

A exceção prevista na Lei consiste na hipótese de não acudirem interessados ou não ser concluído o processo de relicitação no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados da data da qualificação da parceria para a relicitação. Neste caso, e desde que não haja a prorrogação pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimento, tudo leva a crer que o regime de recuperação judicial ou extrajudicial passa a ser aplicável ao contrato de concessão, tal como ocorre com o processo de caducidade que pode ser instaurado ou retomado.

A verdade é que o regime de recuperação judicial ou extrajudicial não é aplicável ao contrato de parceria, uma vez que a relicitação tem como consequência a impossibilidade de vender os ativos do contrato de concessão no processo de recuperação judicial ou extrajudicial, dado que estes serão transferidos para o novo contratado, após a relicitação, e serão objeto de indenização ao anterior contratado.

Cumpre anotar que, no âmbito estritamente privado, a perspectiva de manutenção dos contratos de uma empresa em recuperação judicial e extrajudicial se dá, entre outras formas, (i) por meio da alienação das ‘unidades produtivas isoladas’ – em síntese, a venda de ativos para o prosseguimento da relação contratual por aqueles dotados de capacidade financeira para exercício da atividade empresarial; (ii) cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; e (iii) alteração do controle societário.

Todavia, na hipótese de ser instaurado processo de relicitação pela ANAC, a alienação e a assunção das obrigações contratuais por uma nova empresa ocorrerá por meio de uma nova licitação do contrato de parceria, e não no ambiente do processo de recuperação judicial ou extrajudicial.

Por essas razões, na hipótese de ser deferido o pedido de relicitação, o contrato de parceria não se submeterá ao regime de recuperação judicial ou extrajudicial – seus ativos não poderão ser alienados, não poderá haver transferência de controle acionário nem cessão de cotas. Ou seja, o contrato de parceria não constituirá um meio para a recuperação da Concessionária ou de seus sócios.

Assim, resta claro que não é possível que o contrato de parceria seja, ao mesmo tempo, objeto de um processo de relicitação e de um processo de recuperação judicial, uma vez que há conflito entre as finalidades desses processos.

Ao que se observa, na eventual hipótese de ser requerida a recuperação judicial ou extrajudicial da Concessionária, o contrato de parceria não poderá ser objeto do plano de recuperação – eventualmente, se for o caso, apenas a indenização a ser recebida do novo concessionário poderia integrar este plano.

Por via de consequência, cumpre considerar na análise de riscos relacionada com um pedido de recuperação os efeitos da exclusão do contrato de parceria no processo judicial ou extrajudicial de recuperação. A mesma observação é válida para os processos de recuperação das sócias da Concessionária.

Quanto aos possíveis riscos da recuperação judicial ou extrajudicial em andamento quando do pedido de qualificação e instauração do processo de relicitação, tudo leva a crer que apenas existirá prejuízo para a relicitação caso já tenham sido adotadas medidas em relação ao contrato de parceria no processo de recuperação que impeçam ou esvaziem o cabimento do processo de relicitação.

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