Compliance e rescisão contratual: quando a dispensa do colaborador pode ser considerada abusiva?

Com o entendimento confirmado pelo STF, a dispensa sem justa causa segue sem necessária motivação. Porém, certas particularidades devem ser observadas.
Geovana-de-Carvalho

Geovana de Carvalho Filho

Advogada da área de direito do trabalho

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Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1625, no final de maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por maioria, o decreto presidencial que afastava a aplicação, no Brasil, da Convenção 158 da Organização Mundial do Trabalho (OIT). Efeito notório desta validação é o reforço à possibilidade de que os empregadores dispensem seus empregados sem a necessidade de justificação, excetuadas as hipóteses de dispensa por justa causa ___ art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Entretanto, a ausência de necessária motivação para a dispensa sem justa causa não pode ser confundida com a rescisão contratual irrefletida e incontida. Fundamental ter em conta que as relações contratuais, não se restringindo a análise à esfera trabalhista, são regidas pela cláusula geral da boa-fé, que limita abusos de direito, mormente quando uma das partes – neste caso, o
empregado – está exposto a situações que intensificam a sua vulnerabilidade (no aspecto jurídico do termo).

Na lógica do compliance, isto é, de um desenho empresarial de conformidade, com típica incidência no âmbito trabalhista, há situações que, por suas particularidades, suscitam a necessidade de especial atenção, sob pena de serem rediscutidas na esfera judicial e reinterpretadas como “dispensas abusivas”.

Um típico exemplo é o da dispensa de empregado que, embora não tenha sido afastado pelo INSS para receber benefício previdenciário de natureza acidentária, é dispensado em razão de moléstia adquirida. Cabe destacar, no presente exemplo, a existência de entendimento sumulado do Tribunal Superior do Trabalho quanto à presunção de discriminação na ruptura contratual de colaborador que apresenta doença grave que possa suscitar algum tipo de preconceito (Súmula 443). O rol de doenças de possível enquadramento no verbete sumular não é taxativo. Logo, está sujeito a atualizações.

Outro exemplo ilustrativo da rescisão abusiva e discriminatória é a dispensa de colaborador após a ciência, pelo empregador, de ajuizamento de demanda na Justiça do Trabalho, ou, ainda, quando, por ter indícios da intenção do empregado de propor a ação, a empresa procede à rescisão. Em que pese não se ignore o natural desgaste de uma relação contratual que é objeto de discussão na via judicial, a restrição à dispensa, nestes casos, é forma de assegurar a garantia constitucional do direito de ação do trabalhador (art. 5º, XXXV da CF/1988).

Situação também não incomum, e que deve ser devidamente ponderada, é a dispensa sem justa causa da pessoa com deficiência ou reabilitada pelo INSS. A legislação previdenciária, visando a promoção da inclusão social e da equidade, condiciona a dispensa desses trabalhadores à contratação de outros em iguais condições (art. 93, § 1º da Lei n.º 8.213/1991), exceto se já satisfeita a cota legal pela empresa mesmo com a rescisão realizada.

Destarte, se a própria dispensa sem justa causa desvela seus pontos sensíveis, ainda mais criteriosas devem ser as dispensas por justa causa. Muito embora tenham respaldo direto na letra da lei, certo é que os Tribunais Trabalhistas reforçam em seus julgados, com recorrência, a necessária observância da proporcionalidade para a gradação das penalidades disciplinares. Ou seja, não basta que o empregado cometa uma infração disciplinar descrita no art. 482 da CLT para que seja possível dispensá-lo por justa causa. É preciso avaliar se tal infração é revestida de gravidade suficiente para respaldar, de imediato, a rescisão ou, se não for este o caso, se precedida de outras penalidades menos austeras, como advertências e suspensões. A avaliação da gravidade do ato cometido perpassa a lógica da razoabilidade: não é razoável punir com a justa causa, por exemplo, simples erros de procedimento, que poderiam ser cometidos por outros trabalhadores em iguais condições e que não induzem à “quebra da confiança” na relação contratual.

A importância da avaliação proposta neste artigo, no contexto concreto de cada empresa e empregado, não é desprezível, pois, além da possibilidade de rediscussão de rescisões abusivas na Justiça do Trabalho há, ainda, o controle administrativo das dispensas laborais, de competência do Ministério Público do Trabalho. Constatadas irregularidades, igual competência detém o MPT para a aplicação de multas inibitórias.

Nesta perspectiva, o compliance trabalhista dispõe de um conjunto de ferramentas voltadas ao monitoramento preventivo e à identificação de casos sensíveis, inclusive no que concerne às rescisões e a melhor forma de executá-las. A partir da auditoria e da consultoria trabalhista, possibilita-se antever riscos, seja na manutenção de um quadro de colaboradores insustentável, seja na sua dispensa sem as devidas precauções.

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