A Lei das Estatais e os programas de incentivo à Governança Corporativa

A Lei nº 13.303/16 elevou o nível da gestão das empresas públicas de acordo com os melhores programas de estímulo à governança corporativa
Bruno-Herzmann-Cardoso

Bruno Herzmann Cardoso

Advogado egresso

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A nova Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16) definiu novas diretrizes para o estatuto jurídico das empresas estatais (empresas públicas ou de economia mista) e suas subsidiárias, aumentando o patamar de exigência nos quesitos de transparência e segurança na gestão dessas empresas.

Os novos padrões estabelecidos na Lei das Estatais estão em linha com o que é cobrado das companhias com ações listadas na Bolsa de Valores e foram motivados principalmente pelo intenso período de abalo na credibilidade das instituições e grandes estatais brasileiras.

Essa mudança positiva no paradigma legislativo dá o norte às Sociedades de Economia Mista (SEMs), nesse momento de incerteza política e econômica brasileira. Diante desse contexto, é extremamente positivo o fato de que as diretrizes e dispositivos legais estão em perfeita harmonia com programas de incentivo à governança corporativa em SEMs promovidos pela BMF&Bovespa, pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e também pela Organisation for Economic Co-Operation and Development (OECD).

O Programa Destaque em Governança de Estatais da BMF&Bovespa, em sintonia com a atuação do órgão na promoção da boa gestão de empresas de capital aberto em geral (o Novo Mercado, por exemplo), é anterior à Lei das Estatais e orienta empresas estatais a estruturar e executar um plano de governança. As quatro linhas de ação da iniciativa são:

a) Transparência, envolve a divulgação dos regimentos internos, a elaboração de Carta Anual de governança corporativa e de Relatório Integrado da empresa;

b) Controles Internos, exige a edição de Código de Conduta/Integridade dentro da empresa contendo a missão e a visão da organização, a instalação de comitê de Compliance, a definição clara das funções e alçadas de decisão na diretoria, entre outras medidas;

c) Composição da Administração, obriga a empresa a definir requisitos mínimos para contratação de administradores, evitando indicações políticas, veda a acumulação de cargos na empresa e define métodos de treinamento e avaliação dos tomadores de decisão; e

d) Compromisso do Controlador Público, exige a tomada de compromisso por escrito do Controlador Público nomeado no sentido de seguir fielmente as regras estabelecidas.

O IBGC, principal referência do Brasil para o desenvolvimento das melhores práticas em gestão empresarial responsável, desenvolveu um caderno de Boas Práticas de Governança Corporativa para Sociedades de Economia Mista. No documento, aborda as dificuldades na administração de uma empresa que tem o Estado como controlador, inclusive em decorrência da possibilidade de conflito entre os interesses públicos e a necessidade de desempenho econômico das companhias. Piorando o problema, o Estado é o regulador do mercado em que ele mesmo atua através da empresa, o que demanda a segregação definitiva das funções de propriedade e as demais funções do ente público, evitando distorções de mercado que afetem a livre concorrência com os demais agentes.

Com o objetivo de solucionar esses impasses, o IBGC sugere melhorias nos critérios de seleção dos administradores e na formação do Conselho de Administração das Sociedades de Economia Mista (SEMs), que são responsáveis por zelar pela sustentabilidade financeira e também pela consecução do interesse público da companhia. O Conselho Fiscal das SEMs, de instalação obrigatória e funcionamento permanente (Lei nº 6.404/76, art. 240), deve assegurar que os gestores atendam aos objetivos definidos no estatuto social; por isso, seus membros devem ter independência completa para não só fiscalizar as demonstrações financeiras, mas agir de forma colaborativa com a gestão da companhia.

O IBGC orienta, ainda, que o tratamento aos shareholders da empresa deve ser igualitário, com relato simultâneo dos dados relevantes a todos os sócios e simetria de informações. Para isso, é importante que os agentes de governança (sócios, diretores, conselheiros fiscais e de administração) identifiquem de imediato seus conflitos de interesse quando tiverem o poder de tomar decisões motivados por interesses particulares que não condizem com os da empresa. Isso quer dizer que o interesse dos agentes de governança jamais pode se sobrepor ao dos acionistas e, ainda mais importante nas SEMs, à consecução do objeto social.

Por fim, o manual determina a incorporação de controles internos de conformidade mediante a criação de Código de Conduta e de Comitê de Compliance, garantindo que toda a organização esteja em conformidade com a lei e com as políticas internas a que está submetida. E, para a avaliação das práticas mencionadas, é essencial que as SEMs promovam ao máximo a transparência e divulgação de informações, especialmente por meio da internet. O IBGC recomenda diversos itens, entre eles: estatutos e objetivos da empresa, a estrutura de controle acionário, a política salarial e de benefícios, o plano de previdência e modelo de financiamento, descrição e justificativas para os gastos da empresa em publicidade etc.

Além dessas orientações em âmbito nacional, a OECD, organização intergovernamental, com sede em Paris, de políticas para melhorar a economia e o bem-estar social no mundo, editou documento chamado Guidelines on Corporate Governance of State-owned Enterprises. Muito em sintonia com os outros materiais mencionados, as Guidelines visam a agrupar as melhores práticas internacionais de governança corporativa e aplicá-las às State-Owned Enterprises (SOEs), as estatais.

Assim como as Boas Práticas do IBGC, o manual começa definindo os papéis do Estado como proprietário de empresas, reforçando que também é responsabilidade do ente público o sucesso das suas companhias. Por outro lado, é fundamental que as SOEs mantenham um nível justo de competição no mercado em que atuam em relação às empresas privadas. Nesse sentido, a OECD afirma que todas as relações entre estatais e instituições financeiras devem ser baseadas exclusivamente em bases comerciais, e não por força de políticas e escolhas do governante, que incentivam algumas empresas em detrimento de outras.

O guia aborda, também, a responsabilidade dos stakeholders em suas relações com o Estado. Isso inclui a responsabilidade das SOEs de criar e implementar controles internos para prevenir fraudes e corrupções, indo além das exigências das leis federais de cada país e procurando espelhar um padrão de ética aplicável a nível internacional. Além disso, as relações dos tomadores de decisão com o governo jamais podem permitir o uso das SOEs como veículos para financiamento ou promoção de atividades políticas, o que proíbe as empresas públicas de realizar doações de campanha por princípio de governança.

É certamente um sinal positivo para o Brasil que vários itens recomendados pelos programas mencionados foram incorporados pela nova Lei das Estatais. Há requisitos de transparência de gestão (art. 8º), de governança corporativa (incs. III e VIII do art. 8º), e estruturas de gestão de risco e controle interno (art. 9º). Outros itens, apesar de não estarem incluídos em dispositivos específicos, são paralelos e auxiliares para a aplicação dos requisitos da Lei e estão muito bem delineados nos guias da BMF&Bovespa, do IBGC e da OECD.

Toda a economia nacional é beneficiada com a melhor gestão de estatais, na medida em que é facilitado o acesso a mercados de crédito (porque controle de riscos reduz inadimplência), reduz-se o custo do capital em geral e, é claro, a performance das empresas públicas é melhorada. Para a sociedade, ocorre a melhoria na qualidade dos serviços públicos e das políticas públicas, melhora-se o uso dos recursos públicos disponíveis (especialmente a alocação de capital) e mitigam-se os riscos de corrupção.

Com a nova lei, abrem-se as portas para o aprimoramento contínuo das sociedades de economia mista, tornando-as mais transparentes, éticas e, no fim, eficientes.

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